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autismo

Autismo (TEA) : o que é e como reconhecer?

autismo e tea

O autismo ou transtorno do espectro autista ( TEA ) – termo considerado mais atual , refere-se a uma condição relacionada ao desenvolvimento neurológico e marcado por uma série de características que incluem prejuízos em duas áreas de funcionamento (comunicação social e interação social) e padrões restritos e repetitivos  de comportamento, interesses ou atividades. 

Os sintomas estão presentes já desde o início da vida porém podem demorar para serem percebidos ou manifestados plenamente até que as demandas sociais passem aquilo que a criança consegue ou podem ser mascaradas por estratégias aprendidas ao longo da vida. 

Os  tratamentos atualmente disponíveis podem proporcionar uma qualidade de vida muito melhor para os pacientes do que os tratamentos de há poucos anos, mas é preciso  reconhecer que o TEA não pode ser curado ainda e que a maioria das pessoas com TEA não estão recebendo tratamento especializado ou qualquer tratamento.

Prevalência

O TEA já foi considerado uma condição relativamente rara. Porém com maiores estudos na área, maior conscientização do quadro e melhor treinamento dos profissionais, vem cada vez mais sendo reconhecido apesar de que a prevalência pode ser afetada por diagnósticos errados, diagnósticos tardios ou não diagnósticos de indivíduos de algumas minorias étnicas e raciais. 

As frequências para o transtorno do espectro do autismo nos Estados Unidos foram relatadas como sendo entre 1% e 2% da população, com estimativas semelhantes em crianças e adultos e prevalência em países fora dos EUA aproximou-se de 1% da população.

No mundo, os meninos são mais diagnosticados que as mulheres – para cada 1 menina diagnosticada, três meninos são diagnosticados. Isso pode ocorrer tanto por maior chances de indivíduos do sexo masculino terem maior risco de apresentarem quadro quanto porque o diagnóstico em meninas pode ser mais difícil do que em meninos. 

Diagnóstico precoce

Os sintomas já podem ser reconhecidos já durante o primeiro ano de vida. e a detecção precoce constitui um avanço importante que permite uma intervenção precoce que significa uma melhor expectativa de melhora ao longo do tratamento, além de esclarecer as dúvidas e angústias dos pais.

O atraso de fala tende a ser a primeira preocupação dos pais e, em aproximadamente 30% dos casos, ocorre uma regressão no segundo ano de vida, com perda de habilidades já adquiridas. O diagnóstico já pode ser dado com alguma segurança aos 18 meses de vida e, aos 2 anos de vida, o diagnóstico realizado por um profissional experiente pode ser considerado muito confiável.

Sinais de alerta

São considerados como alguns sinais de alerta:

  • Aos 6 meses: poucas expressões faciais, baixo contato ocular, ausência de sorriso social e pouco engajamento sociocomunicativo
  • Aos 9 meses: não faz troca de turno comunicativa; não balbucia “mamã / papa”; não olha quando chamado; não olha para onde o adulto aponta; imitação pouca ou ausente
  • Aos 12 meses: ausência de balbucios; não apresenta gestos convencionais (como abanar para dar tchau); não fala mamãe / papai ; ausência de atenção compartilhadas
  • Em qualquer idade: perdeu habilidades adquiridas

Também são considerados sinais de alarme para o risco e diagnóstico de TEA:

  • Deficiência na coordenação da comunicação não verbal
  • Deficiência de compartilhar interesse ou participar de atividades conjuntas
  • Movimentos repetitivos com objetos
  • Deficiência no olhar adequado
  • Deficiência na resposta ao nome
  • Deficiência de expressões calorosas e alegres
  • Comunicação incomum
  • Movimentos repetitivos ou postura incomum do corpo.

São considerados sinais de alarme para o risco e diagnóstico de TEA e deficiência intelectual:

  • Deficiência no apontar
  • Deficiência em brincar com uma variedade de brinquedos
  • Deficiência na resposta a pistas contextuais
  • Falta de vocalizações comunicativas com consoantes 

Fatores de risco

Não há um único fator que seja determinante para o desenvolvimento do quadro, porém a junção de diferentes fatores é responsável pelo seu surgimento. Tanto fatores ambientais quanto genéticos e biológicos estão relacionados. Entre eles: 

  • Prematuridade extrema 
  • Exposições a certos medicamentos ou substâncias durante a gestação
  • Genéticos
  • Um irmão com Autismo
  • História familiar de psicose esquizofrênica
  • História familiar de transtorno afetivo
  • História familiar de de outro transtorno mental ou comportamental
  • Idade materna acima de 35-40 anos
  • Idade paterna acima de 40 anos 
  • Peso ao nascer inferior a 2500g
  • Prematuridade (menos de 35 semanas)
  • Admissão em uma unidade de terapia intensiva neonatal
  • Presença de defeitos congênitos
  • Sexo masculino
  • Ameaça de aborto com menos de 20 semanas
  • Residir em uma capital (podendo estar relacionado com a poluição ambiental)
  • Residir no subúrbio de uma cidade capital

Diagnóstico

O diagnóstico deve ser dado por um profissional treinado, necessitando de acompanhamento médico para avaliar possíveis quadros associados e realizar o descarte de outros diagnósticos. 

Os médicos que mais comumente acompanham o quadro são os psiquiatras, neurologistas e pediatras. O diagnóstico não necessita de exames específicos, apesar de que alguns testes possam ser necessários para avaliar a presença de outros diagnósticos ou para ter uma melhor compreensão do funcionamento global do paciente. 

Exames de sangue podem ser solicitados, assim como de imagem ou outros exames gerais, porém cada caso é avaliado de forma individual. Em relação aos testes genéticos, há a recomendação de se fazer porém devido ao alto preço e, muitas vezes baixo retorno prático, comumente são reservados para casos específicos. Alguns casos também podem necessitar da avaliação de um geneticista para avaliação diagnóstica de síndromes genéticas específicas ou aconselhamento familiar. 

O diagnóstico não necessita de exames, sendo baseado na história e avaliação individual do indivíduo. 

O DSM-V-TR (manual diagnóstico comumente utilizado) traz alguns critérios que servem de base para fechar o diagnóstico. Sendo eles:

  • Déficits persistentes na comunicação social e interação social em vários contextos, manifestados por todos os seguintes, atualmente ou pela história: 
    • Deficiências na reciprocidade socioemocional 
    • Deficiências em comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social
    • Deficiências no desenvolvimento, manutenção e compreensão de relacionamentos
  • Acompanhados de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, manifestados por pelo menos dois dos seguintes:
    • Movimentos motores estereotipados ou repetitivos, uso de objetos ou fala (por exemplo, estereotipias motoras simples, enfileirar brinquedos ou lançar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas)
    • Insistência na mesmice, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal
    • Interesses altamente restritos e fixos que são anormais em intensidade ou foco (por exemplo, forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverantes)
    • Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum em aspectos sensoriais do ambiente (por exemplo, aparente indiferença à dor/temperatura, resposta adversa a sons ou texturas específicas, cheiro ou toque excessivo de objetos, fascínio visual por luzes ou movimento)

Os sintomas devem estar presentes no período inicial do desenvolvimento, causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento atual e não são mais bem explicados por outros quadros. 

O DSM também cita os níveis de gravidade, que são os níveis de suporte: levam em consideração a comunicação social e comportamentos restritos e repetitivos e vão desde o nível 1 (requer pouco suporte de terceiros) ao nível 3 (exigindo suporte muito importante).

O mais importante para o diagnóstico é comprometimento da interação social e da comunicação. Incluindo o comprometimento dos comportamentos não verbais usados para regular as interações sociais, falha em desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de desenvolvimento da criança e a falta de espontaneidade para compartilhar prazer, interesses ou conquistas com os outros (p.ex., não mostrar ou apontar objetos de interesse para outros). Crianças com deficiências nessas áreas carecem de reciprocidade social ou emocional. Responder e iniciar a atenção compartilhada é muito importante para o desenvolvimento social, porém também é falho nesses indivíduos. 

Indivíduos com TEA apresentam uma atenção excessivamente seletiva a alguns estímulos específicos e não a proposta do que está sendo visto ou ouvido. A hipersensibilidade sensorial leva a uma excelente atenção aos  detalhes e a hipersistematização leva ao reconhecimento mais regrado de padrões

Crianças com TEA usam comportamentos não-verbais como contato visual, gestos, posturas corporais e expressões faciais com menos frequência do que crianças com desenvolvimento típico. Mesmo indivíduos com TEA com alto desempenho têm problemas nas relações entre pares. Algumas pessoas com TEA não têm qualquer interesse em se relacionar com pares, enquanto outras podem não ser capazes de brincar em lados diferentes de um jogo (p.ex., pique-esconde). Alguns podem querer se relacionar com colegas, mas têm problemas em interpretar as ações de outras pessoas e responder de acordo. Eles podem ter problemas em mudar para outros tópicos, mesmo quando outras pessoas não estão claramente interessadas no que estão falando

Muitos sujeitos com TEA não compreendem a natureza das  relações sociais, isto é, as normas ou significados ocultos intuitivos ou dedutivos  que regem nossos relacionamentos, e podem falhar em desenvolver uma empatia  adequada. Todas essas dificuldades levam a prejuízos nas relações sociais.

Atraso de linguagem, falta de linguagem e peculiaridades na linguagem falada são comuns em TEA e são frequentemente a preocupação inicial dos pais. A distinção importante está nas tentativas compensatórias; crianças com outras deficiências sensoriais e do desenvolvimento geralmente tentam compensar usando meios não verbais – como gestos – para comunicação. Em crianças com fala, funcionalidade e direcionamento social da fala são muito importantes, muitas vezes falta naqueles com TEA.

Problemas em brincadeiras de faz-de-conta e imitação são aparentes em muitas crianças com TEA. Crianças em desenvolvimento adequado brincam com vários materiais de forma flexível e criativa. Por exemplo, em brincadeiras típicas de faz-de-conta, as crianças podem usar um fantoche como um general e um bloco de madeira como o carro do soldado inimigo (brincadeira imaginativa). Tudo pode ser usado de uma forma imaginativa. Indivíduos com TEA podem se concentrar em uma parte muito específica do  objeto de seu interesse, por exemplo, apenas o número de dentes em dinossauros.  

A adesão inflexível a rotinas ou rituais específicos e não funcionais também é um sintoma típico dos indivíduos. Dificuldades com pequenas mudanças na rotina pessoal e resistência a pequenas mudanças no ambiente podem causar problemas significativos no dia-a-dia de suas famílias (como birras severas).

Maneirismos motores estereotipados e repetitivos e preocupação persistente com partes de objetos são mais evidentes em crianças mais jovens e indivíduos com deficiência intelectual. Estes incluem movimentos com as mãos e os dedos, balançar o corpo, caminhar na ponta dos pés, farejar e lamber objetos não alimentares, girar o corpo e olhar fixamente de incomum, entre outros. Preocupação persistente com partes de objetos pode ser vista, por exemplo, rodas girando, piscando os olhos das bonecas. 

As crianças com TEA apresentam vários comportamentos atípicos, provavelmente devido à hipersensibilidade sensorial, que podem ser observadas nas modalidades visual, auditiva e táctil e podem ser específicas de certos estímulos.

A falta de habilidades sociais e de comunicação pode dificultar o aprendizado, especialmente o aprendizado por meio da interação social ou em ambientes com colegas. Em casa, a insistência nas rotinas e a aversão à mudança, bem como as sensibilidades sensoriais, podem interferir na alimentação e no sono e tornar os cuidados de rotina (por exemplo, cortes de cabelo, tratamento odontológico) extremamente difíceis.

Comorbidades 

Cerca de 70% dos indivíduos com transtorno do espectro do autismo podem ter um transtorno mental junto ao quadro de TEA e 40% podem ter dois ou mais transtornos mentais associados. 

Os mais comuns são: transtornos de ansiedade, depressão, TDAH, transtorno de ingestão alimentar evitativa/restritiva, alterações no sono, transtorno do desenvolvimento intelectual e transtorno de linguagem e dificuldades específicas de aprendizagem.

Em relação às condições médicas associadas ao TEA, as mais comuns são:

  • Deficiência intelectual (8%-27,9%)
  • Síndrome do X frágil (24%-60%)
  • Esclerose tuberosa (36%-79%)
  • Encefalopatia neonatal/encefalopatia epiléptica/espasmos infantis (4%-14%)
  • Paralisia cerebral (15%)
  • Síndrome de Down (6%-15%)
  • Distrofia muscular (3%-37%)
  • Neurofibromatose (4%-8%)

Diagnósticos diferenciais 

São diagnósticos que podem ter sintomas parecidos e devem ser excluídos como principais causadores dos sintomas apresentados, são quadros que podem ter características semelhantes e se confundirem com o próprio diagnóstico de TEA: deficiência intelectual, distúrbios da linguagem e distúrbio da comunicação social (pragmática), TDAH, mutismo seletivo, distúrbio de movimento estereotipado, transtorno obsessivo compulsivo, esquizofrenia e transtornos de personalidade.

Tratamento

O tratamento de pacientes com autismo é multidisciplinar. O papel do médico é relacionado ao diagnóstico do quadro e exclusão (ou não) de comorbidades, além da prescrição de medicação quando necessário.  

Comumente, além do psiquiatra ou neurologista, pode ser necessário acompanhamento de outros médicos como pediatra, geneticista e o clínico geral.

Em relação aos demais profissionais, esses podem atuar de forma conjunta e dentro da sua própria especialidade. Os que mais comumente são necessários:

  • Fonoaudiólogo: para desenvolvimento de fala e linguagem
  • Terapeuta ocupacional: para desenvolvimento de atividades de vida diárias e redução de problemas relacionados a questões sensoriais
  • Psicólogo: irá aplicar técnicas para reduzir comportamentos difíceis e aumentar comportamentos adaptativos
  • Fisioterapeuta: ajudar dificuldades motoras
  • Psicopedagogo: auxílio no desenvolvimento escolar
  • Educador físico: desenvolvimento de planos de exercícios específicos
  • Musicoterapeuta
  • Entre outros profissionais – vale ressaltar que cada plano de tratamento varia entre os diferentes pacientes e suas necessidades

Pesquisadores e clínicos afirmam que a intervenção deve ser instituída o mais cedo possível, começando no momento ou antes do diagnóstico na primeira infância. A intervenção deve ser intensiva, ou seja, fornecida por 25 a 40 horas por semana por um ano ou mais, e abrangente, ou seja, visando a um desenvolvimento amplo. As intervenções visam abordar os prejuízos centrais associados ao TEA.

Intervenções que são baseadas em ABA, que é a sigla para applied behavior analysis (análise do comportamento aplicada), são oriundas de princípios básicos no campo da Análise Experimental do Comportamento (AEC). A análise do comportamento tem como objeto de estudo a análise de interações do indivíduo com aspectos variados do ambiente – físico e social com claras leis do comportamento descritas e tomando como central ao comportamento humano suas interações com a cultura e fenômenos relativos ao seu mundo privado, como sentimentos, emoções e cognições.

As intervenções baseadas em ABA são realizadas por diferentes profissionais visando melhorias específicas e é a intervenção com mais estudos e melhores resultados até o momento.

As intervenções sensoriais são motivadas pela teoria de que a função sensorial é fundamental na natureza, e que as perturbações sensoriais, particularmente no início da vida, podem produzir efeitos em cascata no desenvolvimento em vários domínios, resultando em uma constelação de características básicas e relacionadas com TEA. A mais conhecida dessas abordagens sensoriais para o tratamento é a terapia de integração sensorial, na qual as crianças são apresentadas a uma série de experiências sensorio­motoras individualizadas destinadas a construir habilidades fundamentais que irão facilitar o seu envolvimento e participação em uma série de atividades da vida diária. Abordagens sensoriais são mais frequentemente fornecidas por terapeutas ocupacionais em contextos clínicos.

Intervenções assistidas por animais são aquelas que dependem de interações com animais e a terapia assistida por cavalos é uma das que apresenta melhor evidência para apoiar um melhor bem ­estar psicológico e função social.

E qual o melhor remédio?

Não há medicações que atuem especificamente nos sintomas de autismo, porém as medicações podem ser usadas em quadros onde há outros diagnósticos psiquiátricos ou em casos de agressividade não controlada apenas com as terapias não medicamentosas.

E o canabidiol (maconha)?

Até o momento, não há evidências suficientes que sustentem a sua prescrição como primeira escolha ao tratamento. O seu uso ainda é experimental e o desfecho muitas vezes ainda é imprevisível, devendo-se avaliar os riscos e benefícios antes da sua prescrição e uso.

Busca um profissional habilitado e treinado para o tratamento?

Posso lhe ajudar, tenho residência em psiquiatria e psiquiatria infantil. Durante minha formação atendi pacientes com autismo de todas as idades no ambulatório do transtorno do espectro autista (PROTEA) do ambulatório de psiquiatria do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP). Além do atendimento em consultório particular e SUS.

Entre em contato e agende sua consulta agora:

Joao Victor Lacerda – Doctoralia.com.br

Fontes: 

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 

Kaplan, H.I; Sadock, B.J. Compêndio de. Psiquiatria- Ciências do Comportamento e. Psiquiatria Clínica. 11ª ed

Clínica psiquiátrica 2ª edição, volumes 2 e 3 – Editora Manole

Veja também:

https://drjoaovictorpsiquiatra.com.br/blog/
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